Histórias, versos, adivinhas, brincadeiras e receitas culinárias: todos esses elementos constituem a cultura popular brasileira. Mas você sabe qual a importância de aprender sobre a cultura da nossa terra?
Trazer para a escola este conteúdo possibilita que os estudantes conheçam as cinco regiões do Brasil (Norte, Nordeste, Centro-Oeste, Sudeste e Sul), assunto abordado no 5º ano do Ensino Fundamental dentro dos componentes curriculares de Geografia e História. Também promove a valorização da diversidade cultural e o respeito entre diferentes culturas e modos de ser. Além disso, ajuda na construção de identidades, do senso de coletividade e de pertencimento.
Os estudos das turmas sobre o tema foram baseados na leitura compartilhada, ou seja, realizada em diferentes momentos e dividida entre os estudantes, do livro Cultura da Terra, do autor e pesquisador da área, Ricardo Azevedo.
“Por meio da leitura foi possível conhecer a cultura do povo brasileiro de norte a sul do Brasil, além da rica influência dos povos indígenas, africanos e a herança dos europeus, espalhados pelos quatro cantos do nosso país”, explica a professora Márcia Pittelkow.
Além de ler a obra, os alunos assistiram vídeos informativos e sobre lendas, pesquisaram palavras e expressões, confeccionaram máscaras de monstrengos do folclore, como Saci Pererê e Mula sem Cabeça, debateram temas recorrentes da obra, conheceram características culturais de cada região do país, brincaram e exploraram adivinhas e ditados populares, além de aprenderem mais sobre a culinária típica.
Encontro com o autor
Para saber ainda mais sobre o livro, o autor Ricardo Azevedo, que mora em São Paulo, foi convidado para um encontro virtual com as turmas pelo Teams, momento em que os estudantes puderam tirar suas dúvidas a respeito da cultura popular brasileira e da trajetória do escritor.
Confira 5 características da cultura popular brasileira:
Por Ricardo Azevedo
Discurso claro e direto: uma das características de boa parte das manifestações populares é a preferência por um discurso claro e direto, por meio de um vocabulário público e compartilhável. Para o povo, não faz nenhum sentido falar complicado. Por essa razão, um conto popular, uma quadra, um ditado ou uma letra de samba podem ser compreendidos por todos, ricos e pobres, diplomados e analfabetos, gente de 5 a 105 anos de idade. O discurso popular é inacreditavelmente poderoso embora por vezes seja desprezado. Preciso dizer que a cultura popular pode recorrer a um discurso mais especializado. Por exemplo, o vocabulário das religiões afro-brasileiras, nas manifestações como a capoeira, as linguagens de pescadores, as gírias locais, entre outros. Mas são exceções que apenas confirmam a regra.
Contos populares: podem representar verdadeiras metáforas sobre a existência humana. O fato de serem fantasiosos e poderem conter aspectos mágicos e de encantamento, nem de longe tira deles sua extraordinária capacidade de abordar a vida concreta e, mais ainda, de especular sobre ela. Nos enredos, nos deparamos com princesas que nascem mudas e recuperam sua voz quando encontram o homem por quem se apaixonam. Pessoas que deitam-se na cama e ficam “adormecidas” até serem despertadas por um sentimento forte. Mães ou madrastas que não aceitam envelhecer, competem e tentam destruir filhas e enteadas. Crianças abandonadas que para sobreviver vencem grandes desafios. Irmãos que mentem e traem. Heróis tolos que fazem tudo errado, mas mesmo assim se dão bem. Traições, ciúmes, orgulhos, sinceridades, mentiras, vaidades, generosidades, vinganças, dignidades, invejas e ódios. Instrumentos mágicos. Heróis malandros. Heróis que precisam decifrar enigmas e adivinhações para não morrer ou que arriscam a vida e colocam os interesses da coletividade acima dos seus interesses pessoais. Lutas de fracos contra fortes. Seduções de todo o tipo. Heróis que tentam enganar a morte. Pactos com o diabo e seus preços. Truques e ardis. Heróis transformados em animais ou monstros em busca de sua identidade perdida. Não é pouco!
Quadras populares: são verdadeiras joias da literatura e podem representar uma incrível introdução à poesia e à leitura. Exemplos:
As idades neste mundo
Têm os quinhões desiguais
Moço pode mas não sabe
Velho quer não pode mais
Jurei, juraste, juramos
Juramos, jurei, juraste
Quebraste, quebrei, quebramos
Quebramos, quebrei, quebraste.
Tu fingiu que me enganava
Eu fingi que acreditei
Foste tu que me enganaste
Ou fui eu que te enganei?
Note-se que as quadras utilizam linguagem clara para falar de assuntos humanos complicados.
Oralidade: acho interessante pensar em como a cultura popular circula. Trata-se de uma circulação marcada pela oralidade. Neste caso, a cultura viaja de boca em boca. Estamos acostumados com a palavra escrita, ou seja, por ideias fixadas por texto apresentadas em livros, manuais e partituras. A cultura popular é guardada pela memória de cada guardião. Tem, portanto, imensa flexibilidade. Como cada um tem seu jeito de ser, o que temos são versões: de contos, de anedotas, da organização de festas, de brincadeiras, de receitas culinárias, de ritmos. Em cada lugar, a mesma manifestação popular pode aparecer de um jeito próprio, pois nada está fixado por textos. Eis porque o “improviso”, algo comum na cultura do povo, inexiste na cultura escrita e, mesmo, em nossas escolas. Improviso e criatividade são faces da mesma moeda e representam um potencial humano extraordinário.
Artista: estamos acostumados a admirar as idiossincrasias e a voz particular e única de cada artista. Com o artista popular as coisas funcionam de outro jeito. Ele naturalmente também tem suas idiossincrasias e sua voz mas, em seu trabalho, busca abordar os assuntos, não do ponto de vista do seu “eu” mas, sim, do ponto de vista do “nós”. Ou seja, busca tratar das angustias, alegrias e perplexidades que atingem a todas as pessoas ou a comunidade em que vive. Não cabe nem faz qualquer sentido um discurso individualista na arte de um artista do povo. Talvez por essa razão, a noção de “autoria” seja menos valorizada e até ignorada na cultura popular.
Conheça o autor
Ricardo Azevado é bacharel em Comunicação Visual pela Faculdade de Artes Plásticas da Fundação Armando Álvares Penteado e doutor em Letras pela Universidade de São Paulo. É autor da tese Abençoado e danado do samba – Um estudo sobre o discurso popular, publicada pela Edusp e Prêmio Jabuti Teoria e Crítica Literária em 2014 e pesquisador na área de cultura popular. Professor convidado em cursos de especialização em Arte-Educação e Literatura.